terça-feira, julho 31, 2007

Sobre suéteres

- Eu quero um preto.
- Senhor, nós não vendemos suéteres.
- Sim, me veja um preto.
- Acho que o senhor não está entendendo. O senhor está num açougue. Não vendemos suéters, nem brancos nem pretos.
- Você é que não está me entendendo. Eu sei que você vende malhas e você mesma me disse por telefone que elas estariam aqui, pretas e novas, esperando por mim.
- Mas eu nunca o vi! Onde já se viu, telefonema para falar de suéteres pretos...
- Ah! Então era mentira? Você não tem?
- Não senhor.
- Não o que?
- Não nada. Nunca o vi, jamais nos falamos por telefone e sequer pensei em vender suéteres algum dia.
- Hmpf... E qual o seu nome?
- Martha.
- Me desculpe Martha, não quis incomodá-la. Vou procurar meu suéter preto.
- Não foi nada.

E saiu, repetiu os diálogos em outros três estabelecimentos - com pequenas variações, tomou 15 minutos de um atendente de farmácia mal-humorado, de uma balconista de papelaria solícita e tola e outros 15 minutos de um vendedor ambulante suburbano.

Parou, então, na loja de suéteres da esquina da praça. Entrou e, lacônico, disse:
- Boa tarde, vim buscar um suéter preto que encomendei por telefone.
- Ah! O senhor é que é sr. Alberto?
- Sim, sou eu.
- Aqui está. São oitenta reais.
- Tome cem. O troco é pela gentileza. Tenha uma boa tarde.
- O senhor também, muito obrigada.

E vovô seguiu calado, deu mais uma volta na praça e voltou, resignado, para o seu apartamento. Naquele mesmo dia, um derrame fulminante lhe matou, mas antes o velho deixou que alguns gritos esparsos chamassem a atenção dos vizinhos.

Foi velado durante a madrugada e enterrado na manhã seguinte. Manhã em que não fui à aula, que Martha passou tranquila, que o atendente da farmácia continuou a atender mal seus clientes e que a balconista vendeu papéis de embrulho. O ambulante, este foi pego pela fiscalização.

Sinto saudades do vovô, do suéter preto e de tantos outros parentes que não estão mais aqui. Queria estar com ele, com esses parentes e, acima de tudo, gostaria de estar vestindo um suéter preto...

Vovô foi enterrado, muito elegante, mas o suéter preto nem foi notado.