segunda-feira, maio 23, 2011

Um domingo, quatro aforismos

"Somos pródigos em apontar o dedo. Não sabemos nem para onde nem porque estamos apontando, mas o fazemos com uma capacidade invejável."

"Ele é muito brega. Do tipo que usa marrom com marrom, em tons diferentes."

"Hora boa para comprar apartamento? 2017, mais ou menos, quando o Brasil estiver quebrado, depois da Copa e das Olimpíadas."

"Estamos nos endividando muito, no rastro da euforia do aumento do poder de compra. O bom é que Portugal, Grécia e Espanha tão aí mostrando o que nos espera."

sexta-feira, maio 20, 2011

Uma visão zoológica da vida

Tenho uma amiga querida que diz que é muito mais fácil - e prazeroso - escrever sobre aquilo que nos comove, que mexe conosco, que nos faz mudar o jeito de pensar. Bem, foi mais ou menos com esse sentimento que eu escrevi a reportagem "Elas tiram as pedras do caminho", publicada na Época SÃO PAULO de abril. Acompanhei, por três meses, o trabalho das agentes de saúde Lucélia Gomes e Roseli da Silva. Sua função é passar o dia (faça chuva, frio ou sol) nas ruas da Cracolândia, em turnos de 12 horas, convencendo usuários de crack a se tratar. Bem. A história delas está contada na reportagem (em parte, porque eu não teria a pretensão de achar que 12 mil caracteres podem contar com devido espaço e detalhamento a vida de pessoas como Lucélia e Roseli).

Hoje me deu vontade de falar sobre a vida de outras pessoas com uma motivação muito semelhante, mas com contornos um tanto mais raivosos. Mais precisamente, de uma experiência da vida de outras 23 pessoas. Este é o número de deputados federais que passeou hoje pela Cracolândia. Munidos de seus smartphones e devidamente apartados da sociedade (seus eleitores) pela janela (blindada?) de um micro-ônibus, nossas excelências se chocaram com a realidade com que Lucélia e Roseli são confrontadas no dia a dia. Um retrato - para mim, nojento - disso foi registrado no SPTV (assista abaixo).


Eles se comportam como turistas europeus num safári pela savana africana. Olham aqueles trapos humanos que vivem na Cracolândia como crianças pela primeira vez num zoológico. Filmam, batem fotos, berram coisas como "Olha aquele ali, vendendo droga!". Os nobres deputados (de vários estados) elegeram a Cracolândia como local a ser visitado por ser o principal expoente das cracolândias do Brasil. Sério, eles dizem isso.

Depois do super safári e de uma palestra dada pelos delegados do DEIC (órgão de investigações criminais da polícia civil), os deputados foram presenteados com uma proposta dos policiais de internação compulsória dos "viciados" em crack. É temerário ver um complexo problema de saúde como este reduzido a uma mera questão de segurança. Como se interná-los fosse limpar as ruas, os esconderia dos nossos olhos e, assim, nos fizesse livres do crack.

A experiência internacional diz que este tipo de abordagem, obrigatória, não funciona. Ao menos não enquanto o número de usuários tomando as ruas do Centro for maior que um pequeno grupo, de 10 ou 15 pessoas. Ouvi muita gente sobre o tratamento mais adequado a usuários de crack para a matéria que citei no começo do texto. É um consenso que a melhor maneira de reabilitá-los é oferecer diversas linhas de tratamento. E saber respeitar o tempo de cada um - quase uma utopia numa cidade como São Paulo.

Isso talvez explique a proposta fora de contexto do DEIC. Me deixaria mais tranquilo se os deputados descessem do ônibus e passassem uma tarde na Cracolândia acompanhando Lucélia e Roseli. Por mês elas ganham o equivalente a duas diárias de alimentação dos deputados. Não tem iPhones, mas também não acham que trabalham num zoológico. Vendo o espetáculo de horror que assisti ao chegar em casa, comprovei que essas mulheres contribuem muito mais para o país, com seu trabalho de formiguinha, do que os nossos homens de Brasília. Temo pelo quanto eles podem prejudicar trabalhos como este tendo uma visão tão estereotipada - e zoológica - da realidade nacional.