quinta-feira, julho 16, 2009

As duas meninas que (não) vimos

"Eu se chamo Bruna", disse uma das meninas.
"Amãda", disse a outra acompanhando a amiga, com voz de quem está gripada, querendo dizer que é Amanda.

Era perto das 2h de quarta para quinta-feira, fazia frio (algo como 14 ou 16 graus) e os carros passavam em intervalos cada vez mais longos. Meu carro havia quebrado e eu esperava o seguro vir resolver a pane elétrica.

Mas aquelas duas meninas sentadas logo na saída do drive thru do Mc Donald's, pedindo um trocado ou resto de lanche a quem passava, chamaram minha atenção antes mesmo de o carro quebrar.

Eu estava ali, no meio da rua, e elas lá, passando frio na calçada, esperando a boa vontade de um notívago qualquer. Fosse a garota levemente aérea que parou para se solidarizar com o carro quebrado, fossem os três babacas que estavam no carro atrás de mim, buzinando enquanto meu pedido não chegava - na saída, um deles passou vomitando pela janela enquanto o motorista, não menos bêbado, acelerava apressado. Bruna e Amanda ainda não notaram essa cena, preocupavam-se em se ver livres do frio, que insistia em incomodá-las. Nem os jovens viram as duas. Na verdade, ninguém viu as duas. Eu mesmo, só vi pela força das circunstâncias.

De qualquer maneira, aquelas crianças invisíveis estavam até tarde alí porque, segundo elas, tinham perdido o ônibus para casa, em Munhoz Jr., perto de Osasco. Como, isso?, pergunto. Vocês não vão dormir em casa? "Ah, a gente volta às 5h, quando tiver ônibus de novo", disse Bruna, com a naturalidade de quem já passara outras noites na rua, mesmo tendo menos de 10 anos.

Enquanto espero meu carro ficar pronto, levemente irritado, as duas meninas contentam-se pacientemente, passando frio, com o resto de lanche dos outros. Até que a manhã chegue e, se de fato elas tiverem uma casa, possam ir para Munhoz Jr. Senão, mais um dia nas ruas de São Paulo. Depois dessa, além de carro quebrado, coração partido. O mais difícil é me dar conta de que o carro é muito mais fácil de consertar.

Hoje, a despeito da madrugada desastrosa, foi um dia gratificante para mim.
Mas e Bruna e Amanda, privadas do dia a dia? Que foi feito delas?

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terça-feira, julho 07, 2009

O que aprendi com Gay Talese

A avalanche de informações às vezes nos obriga a parar. Nem que parar signifique viajar num final de semana e voltar renovado, mesmo que mais cansado que antes. Foi o que aconteceu comigo sábado, quando fui para a Flip assistir a palestra do Gay Talese, pai do new jornalism (mesmo que ele refute tal termo e, por conseguinte, o título também).

O que aprendi com ele? Bem, que de fato as boas histórias estão na rua. E, mais importante, que temos de pensar na internet como um aliado, e não como uma ferramenta que nos trancafie dentro da redação. Isso, vindo de alguém que não tem e-mail, celular ou que não usa a internet pode soar estranho, mas estranhamente faz sentido.

O que ficou mais patente é que boas histórias serão sempre boas histórias. E que alguém tem que contá-las, porque há quem espere por elas. Para tornar isso algo mais real, acredito que devemos apenas saber adaptar boas histórias às mídias certas. Que vida vale um post, que acontecimento vale uma página, que notícia vale 140 caracteres no Twitter?

Essa pergunta fica no ar, o que é ótimo. Regras ainda não formadas permitem o risco. Arriscar é bom - e parece que essa alternativa vai perdendo força conforme vamos ganhando experiência. Quase uma praga.

E, por fim, encerro com o que o escritor disse, ainda há pouco: "Acredito que um dia haverá dinheiro para sustentar qualidade [editorial]". Há conversas, palestras, entrevistas que mais confundem do que explicam. É que uma nova opinião, um novo pensamento está por se formar. E assim vamos vivendo. Nesse sentido, tudo é burilamento.




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quinta-feira, julho 02, 2009

E o homem sucumbe à informação

Tem ideias que me atormentam. Tanto que tenho uma listinha de assuntos organizados em rascunhos na administração do blog. Ou porque deu preguiça de escrever, ou porque faltou tempo, ou só porque não é a hora.

Mas tem uma coisa que me incomoda um tanto. Desde que comecei a trabalhar e tive que estudar ao mesmo tempo, comecei a ficar atormentado com o fluxo de informações. Eu não entendia (e não conseguia processar) que além de ler um texto de 40 páginas sobre a Escola de Frankfurt, ainda teria que fazer umas 30 ligações e mandar um sem-número de emails depois da aula. Mas como? Sempre lembrava - e ainda lembro - da minha professora de artes da primeira série dizendo: faz o mais difícil antes e depois mata os mais fáceis depois, rapidinho. Pena que a vida não é um exercício de recortar e colar.

O tempo foi passando e eu fui me acostumando. O que quer dizer que eu passei a trabalhar mais em detrimento da faculdade. Tudo muito bem, tudo muito bom, a vida correndo em paralelo às mil atividades. Outros acontecimentos sem qualquer relação com o trabalho alterando o dia a dia de um jovem estudante.

Até que eu descobri o Google Reader, serviço de RSS. Faz o quê, uns dois anos? Acho que por aí. Passou um tempo, deixei de lado, e agora na Galileu passei a retomar o serviço. E a ideia de ter umas 200 novas notícias por hora é desesperador. Porque enquanto eu estou, sei lá, entrevistando alguém ou reclamando do meu computador para o Help Desk, a Folha Online, o G1 e os 20 blogs que eu sigo estão me mandando informações.

E enquanto eu estou escrevendo aqui, outras 2 mil noticias me esperam, nervosas para serem lidas naquela interface padronizada do Google. A informação é muita, e nossa função é hierarquizar, traduzir e dizer porque aquilo é importante para o nosso leitor. Ok, já entendi a parte técnica da coisa.

Mas e eu, como fico? A vontade é ficar testando os limites físicos e ficar a maior parte do tempo vendo as notícias do Google Reader chegando. Mas me pergunto: até que ponto não ganho muito mais passando um final de semana na praia ou uma tarde toda entrevistando um personagem bacana? Quando tenho que parar de acumular repertório e começar a confrontá-lo com os demais?

São inquietações que provavelmente não existiam no mundo cartesiano de décadas atrás. As décadas pré internet.

Afinal de contas, isso me faz pensar se não deveria priorizar mais as vivências (de qualquer tipo) do que as informações e, desse modo, ser alguém mais completo para a vida. E para o trabalho. E para todo o resto.

E aí caio em outro ponto. Se me esforçar ao máximo, sempre reavivar os contatos com pessoas queridas, estar sempre muito bem informado, arrumando tudo da casa, organizando o caos do cotidiano; isso tudo não vai me exigir mais? Mais tempo para os amigos e para os papos de mesa de bar, para os compromissos do trabalho, para as coisas da casa... E isso vai aumentando, aumentando, aumentando, aumentando até que sucumbimos.

A questão é: o homem está usando sua capacidade máxima de absorção e intelecção de ideias? Isso faz bem? Quais as consequências disso? Onde vamos (ou não) parar?

Não sei. Espero que o final de semana na Flip, em Parati, me afaste dessa rotina frenética e me ajude a por a cabeça no lugar. Da próxima vez, espero um post menos atormentado e mais poético, influenciado pela convivência na charmosa cidade fluminense. E só para recordar e reforçar, meu primeiro conto de ficção publicado sai na CRESCER de julho. É sobre a amizade de olhos livres. Espero que quem ler, goste. A ideia é essa.

até logo. da próxima vez, com menos complexidades e mais poesia.



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