quarta-feira, abril 22, 2009

Parábola da vida

Entreouvi por aí a história de Sebastião.
Homem trabalhador, encarava a vida de frente. Mas tinha um buraco em seu caminho. Ou em seu caminho tinha um buraco, como preferir o poeta modernista. Um buraco mesmo, no sentido literal. Um tanto fundo, mas que não chegava a machucar por se cair nele.

E todos os dias, na volta do trabalho, lá estava o buraco, por vezes com água empoçada, por vezes seco. Sua presença era tão certa quanto a de Sebastião perto das seis da tarde. Isso não chegaria a ser um problema se Tião não caísse no tal buraco todos os dias, invariavelmente. Ele ia andando pela rua como quem não tivesse rumo, mas que soubesse pra onde ia. Mas sempre caía no buraco. Não sei se esquecia, ou se se esquecia de lembrar de ontem e daquele acidente no meio do asfalto. O fato é que pisava mais fundo sempre que voltava do trabalho, sempre no mesmo lugar, geralmente no mesmo horário, todos os dias, como se não conhecesse o caminho.

Mas um dia ele passou a notar que, de fato, caía no buraco todo santo dia - mesmo nos dias menos santos. E então passou a se estranhar com aquele rombo. Quase o humanizou para poder jusificar a si mesmo a antipatia por um simples acidente no asfalto. Mas ainda assim, mesmo demonizando aquele bicho ruim, Tião caía no buraco. Sujeito simples, se esconjurava todo dia, na mesma hora. A hora em que tropeçava no dito-cujo.

Mas um dia, assim de repente (e não mais que de repente), beirando as seis da tarde, ele notou o buraco logo antes de cometer a pisada mais funda habitual. Resvalou naquele troço, mas teve força e agilidade pra desviar. Foi simples assim. Tião se livrou de alguma coisa que não sabia bem o que era e onde ficava, e passou a desviar do tal buraco com tal destreza que os outros pedestres começaram a prestar atenção no problema. Daí para a Prefeitura ser chamada e tapar o buraco, foi um pulo - com o perdão do trocadilho.

E Tião seguiu naquele compasso, meio sem rumo mas com a certeza de onde ia, caindo em novos buracos. Uns maiores, outros menores. De alguns, desviou de primeira, de outros precisou se esforçar um bocado. Mas o importante é que ele não deixou de andar por novas ruas, nem se intimidou pelos acidentes de percurso. E assim viveu a vida, tropeçando aqui e ali, em busca de uma rua (podia mesmo ser uma viela, ele não era exigente), onde não houvessem buracos e o asfalto fosse liso, lisinho, tão liso que o fizesse sentir-se andando em nuvens. Depois disso, Sebastião voaria.

Nenhum comentário: